segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Terminator ataca de novo, ou as sementes suicidas


Por Jornal Meio Ambiente 
        Casemiro Linarth

Tramitam no Congresso Nacional brasileiro dois projetos de lei que pretendem liberar o uso de sementes Terminator (que quer dizer “exterminador” em inglês) no país, apesar de o Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas ter adotado, no ano de 2000, uma moratória global contra a experimentação e o uso dessa tecnologia. Na época, a tecnologia suscitou uma rejeição enorme dos movimentos de camponeses e organizações sociais e declarações de oposição de instituições públicas de pesquisa e do então diretor da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o senegalês Jacques Diouf. Era, para todos, uma tecnologia indesejável.

De acordo com a pesquisadora Sílvia Ribeiro, a tecnologia Terminator foi desenvolvida pela empresa Delta & Pine, propriedade da Monsanto, em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Trata-se de uma tecnologia transgênica para fazer sementes suicidas: são plantadas, dão fruto, mas a segunda geração torna-se estéril, para obrigar os agricultores a comprar sementes novamente em cada estação”, explica.

Sílvia Ribeiro é coordenadora de programas do Grupo ETC, com sede no México, grupo de pesquisa sobre novas tecnologias e comunidades rurais. Produziu uma série de artigos sobre transgênicos, novas tecnologias, concentração empresarial, propriedade intelectual e direitos dos agricultores que tem sido publicados em revistas e jornais de países latino-americanos, europeus e norte-americanos.

Atualmente, segundo Sílvia, seis transnacionais controlam as sementes transgênicas plantadas no mundo. Destas, cinco têm patentes do tipo Terminator e três detêm mais da metade do mercado global de sementes (53%), informa. Ela critica os dois projetos de lei e enfatiza que, se o Brasil aprová-los, estará "entregando a possibilidade de decidir sobre a sua própria alimentação”.

Um novo projeto
A proposta de emenda à lei de biossegurança que proíbe o uso, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas com restrição de uso partiu da então deputada federal Kátia Abreu (DEM-TO e hoje no PSD). Com a eleição de Kátia para o Senado, o projeto de lei foi reapresentado na Câmara pelo deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR). Em 2009, o deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), líder do governo federal na Câmara, que nunca atuou no campo da agricultura (é médico ginecologista e obstetra), apresentou novo projeto de lei que prevê a liberação de sementes Terminator no Brasil.

Em 2010, a Campanha por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos fez uma denúncia informando que o arquivo que estava disponível no site da Câmara dos Deputados com a proposta do projeto de lei do líder do governo tinha como origem o computador de uma advogada da empresa Monsanto.

A advogada Patrícia Fukuma, do escritório Fukuma Advogados, inicialmente negou que fosse coautora do projeto de lei de Vacarezza, mas depois admitiu que ele não é inteiro de sua autoria. “Eu fiz uma revisão, por assim dizer”, declarou. Patrícia também afirmou que não é, nem nunca foi, advogada da Monsanto. Em conversa gravada, no entanto, a assessoria de imprensa da multinacional listou Patrícia como uma das “pessoas que atende a Monsanto em relação a esse tema”. O escritório Fukuma Advogados também confirmou, por telefone, que o grupo atende a Monsanto.

O projeto de lei foi muito questionado na sua tramitação na Câmara, mas, apesar disso, foi criada uma comissão especial para apressar a sua tramitação. Quando se cria uma comissão especial, o projeto de lei passa pelas instâncias competentes em regime de prioridade, diminuindo das quarenta sessões da tramitação ordinária para dez sessões apenas.

O mais atacado
Em audiência na Câmara sobre produtos transgênicos, realizada em julho do ano passado, o texto que libera a tecnologia de restrição do uso de sementes, chamada Terminator, foi o mais atacado. Os participantes lembraram que quem melhora a qualidade das sementes é sempre o agricultor, ao manejar as espécies e selecionar os melhores grãos para a próxima colheita. O desenvolvimento tecnológico em laboratório é feito em cima do produto já trabalhado no campo.

Mesmo assim, segundo a representante da Articulação Nacional de Agroecologia, Larissa Packer, o Brasil tem optado por tratar o direito dos agricultores como exceção, numa legislação que prioriza o direito das grandes empresas de melhoramento tecnológico das sementes.

A representante da promotoria de Justiça do Paranoá, no Distrito Federal, Juliana Santilli, afirmou que “é um componente fundamental de qualquer política para a conservação da biodiversidade que sejam resguardados os direitos dos agricultores de guardar, utilizar, intercambiar e produzir suas próprias sementes”. Para Juliana, as políticas públicas não devem proteger apenas a biodiversidade silvestre, mas também a biodiversidade agrícola, garantindo a variedade de espécies de milho, arroz, feijão e outros vegetais necessários à alimentação humana.

“Sementes obsoletas”
Cinco das seis transnacionais que controlam as sementes transgênicas plantadas em nível mundial têm patentes do tipo Terminator. A Syngenta é a que tem o maior número dessas patentes. Segundo Sílvia Ribeiro, as empresas que desenvolveram a tecnologia Terminator a chamaram de “Sistema de Proteção da Tecnologia”, porque ela serve para promover a dependência e impedir o uso de sementes sem lhes pagar royalties pelas patentes. Em seus primeiros folhetos de propaganda, elas asseguravam também que é para que “os agricultores do terceiro mundo deixem de usar suas sementes obsoletas”.

Por isso, as multinacionais tentaram, desde a aprovação da moratória internacional no ano 2000, eliminá-la por diversas vias. Agora, isso se manifesta mais claramente no Brasil, com as duas propostas para acabar com a proibição do Terminator. Se isso for obtido, afirma Sílvia Ribeiro, o próximo passo será a tentativa do Brasil de mudar a moratória em nível internacional, porque se não o fizer, ao aplicar a Terminator, violará a moratória. “Por isso, a discussão sobre esse tema no Brasil tem uma importância mundial”, observa.

“As Terminator são sementes uniformes que vão acabando com a diversidade à medida que são aplicadas. Em parte, porque elas se baseiam em algumas poucas variedades selecionadas pelas empresas centralmente para todo o globo ou para grandes regiões. A uniformidade produz uma vulnerabilidade enorme e uma quantidade cada vez maior de tóxicos, o que serve ao lucro das empresas”, ressalta a pesquisadora do Grupo ETC.

Controle da agricultura
Na avaliação do técnico Gabriel Fernandes, da entidade ambientalista Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA), a discussão no Congresso expõe a tentativa de controle das empresas sobre a agricultura.  "O que está em jogo, na verdade, é o controle absoluto das multinacionais sobre as sementes. Cada vez que as multinacionais conseguem aumentar seu controle sobre as sementes, os agricultores perdem a autonomia sobre a semente", diz.

A proposta de Vacarezza apresenta como uma das principais vantagens da tecnologia Terminator que ela pode ser mais uma garantia para a biossegurança. Por ser estéril, impede a contaminação das sementes convencionais pelas transgênicas. No entanto, Gabriel Fernandes rebate esse argumento.

"Na verdade, esse argumento é uma grande falácia, porque as sementes Terminator não vão evitar a contaminação. Pelo contrário, podem promover uma contaminação ainda mais grave, que seria de passar essa esterilidade para outras sementes. Então o agricultor que vai colher a semente dele e separá-la para plantar na próxima safra, se tiver sido contaminada com as sementes Terminator, boa parte da lavoura não vai nascer no ano seguinte", assegura.

Sílvia Ribeiro acrescenta outros problemas que a tecnologia Terminator pode provocar. Segundo ela, a Terminator nunca é uma medida de biossegurança, mas o contrário. Isso quer dizer que a proposta apresenta um risco triplo: que sejam cultivadas plantas que podem ser tóxicas para a saúde se contaminarem outras; que a Terminator seja aprovada (que, sem dúvida, será usada em todas as plantas, não só nessas, porque este é o verdadeiro interesse das empresas); e que se incentive o uso de monocultivos de árvores transgênicas, que, a todos os problemas dos monocultivos, acrescentarão o da contaminação transgênica e a esterilidade.

Grandes riscos
Em junho de 2011, a 10ª Jornada de Agroecologia do Paraná, com mais de quatro mil participantes, se pronunciou por unanimidade contra as novas propostas de permitir a Terminator. O Seminário Internacional Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, com cerca de 500 participantes de vários países, que foi realizada no Rio de Janeiro em julho de 2011, também se pronunciou contrário aos projetos de lei.

Segundo Sílvia Ribeiro, seria uma enorme contradição e uma vergonha internacional que um país que, pela segunda vez, será anfitrião de uma conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Rio+20, esteja adotando uma tecnologia como a Terminator, que traz grandes riscos para o meio ambiente e para a biodiversidade, e é rejeitada por todos os governos do mundo.

“Não podemos aceitar que, para se ajustar aos interesses de três ou quatro empresas transnacionais de sementes, nosso país tente romper a moratória internacional, algo que pode ter consequências devastadoras para a biodiversidade e a soberania alimentar, não só do Brasil, mas também de tantos outros países muito mais vulneráveis, que hoje estão protegidos pela moratória internacional”, conclui.

Por Jornal Meio Ambiente 
        Casemiro Linarth

Nenhum comentário:

Postar um comentário