segunda-feira, 31 de outubro de 2011

No lixo, nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma em energia.

Interior do depósito de lixo de usina incineradora que gera energia a partir do lixo na Dinamarca. Foto: Vestforbrænding
Antoine Laurent de Lavoisier foi um químico francês, nascido em 1743 e falecido em 1794 na cidade de Paris. Considerado o pai da química moderna, foi o primeiro cientista a enunciar o princípio da conservação da matéria, que diz: “Na natureza, nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma.” Como qualquer outro enunciado científico de poucas palavras, o conceito de conservação da matéria e da energia esconde desdobramentos complexos e riquíssimos que talvez nem o próprio Lavoisier imaginasse onde poderiam desembocar. Como, por exemplo, na ideia da geração de energia a partir do lixo.
O lixo. Essa invenção humana que nos traz tantos prejuízos ambientais e sociais. Se observássemos um pouco melhor a natureza, veríamos que esse conceito não existe para ela. As substâncias produzidas pelos seres vivos e que são inúteis ou prejudiciais ao organismo, tais como fezes e urina dos animais, ou o oxigênio produzido pelas plantas verdes como subproduto da fotossíntese, assim como os restos de organismos mortos, são, em condições naturais, recicladas pelos decompositores. Porém, como ainda precisamos aprender um pouco mais com a observação da natureza, para a maioria das pessoas o lixo ainda é visto tão somente como um grande problema, que cresce, ocupa cada vez mais espaço, polui o solo e os lençóis freáticos e gera doenças. Para alguns poucos, no entanto, o lixo já é uma grande solução. A partir dele podemos extrair matéria-prima para uma porção de novos objetos, produtos, materiais e… energia. Não há exemplo melhor das ideias de Lavoisier do que essa. Matéria vira energia. E ponto.
Se você ainda não conhece usinas geradoras de energia a partir do lixo, ou se já ouviu falar, mas não sabe direito como funcionam, deve estar imaginando uma fábrica afastada da cidade, com emissões de fumaça e coisas do gênero. Um problema antigo travestido em um novo. Mas não é o que acontece. Na realidade, é exatamente o oposto, e as usinas geradoras de eletricidade e calor a partir do lixo operam com tecnologia de ponta em diversos países. Uma das experiências mais interessantes nesse ramo, a qual tem muito a nos ensinar aqui no Brasil, vem da Dinamarca. Lá, assim como na maioria dos países europeus, os invernos rigorosos demandam uma quantidade enorme de gás para calefação, o qual, via de regra, é importado da Rússia. Custa caro e é um combustível fóssil. Uma equação que não é vantajosa para a Dinamarca, tanto por conta do custo quanto do compromisso firmado pelo país em reduzir a emissão de gases do efeito estufa. A partir de 2050 não se usará mais combustível fóssil para geração de energia naquele país.
Atualmente, na Dinamarca, 76% de todos os resíduos sólidos urbanos não passíveis de serem reciclados são incinerados em modernas plantas que fazem a conversão desses resíduos em eletricidade e calor. A pouco mais de 30 minutos do centro de Copenhague, está localizada a maior central de transformação de lixo em energia do país, Vestforbraending, que queima 35 toneladas de resíduos por hora para produzir energia e aquecimento para 865 mil habitantes da capital dinamarquesa, sem descuidar da eficiência energética nem poluir a bacia aérea. A prova de que se trata de uma tecnologia limpa é que já existe uma usina em construção, com previsão de início das atividades em 2016 e que funcionará perto do Palácio Real, em plena capital dinamarquesa. O curioso é que, com essa usina em funcionamento, a Dinamarca vai passar a importar lixo de países vizinhos, como Polônia e Alemanha. Ou seja, o que é um problema para a população desses países vai virar solução para os dinamarqueses.
No Brasil, a incineração do lixo ainda não é utilizada para produção de energia. A recém-aprovada e sancionada Política Nacional de Resíduos Sólidos, em fase de regulamentação, abre caminhos para que esse cenário mude. Já existem inclusive notícias de que veremos a instalação de usinas incineradoras que geram energia em território nacional. Enquanto isso, o que vemos no Brasil é o aumento, ainda tímido, mas já com presença na matriz energética de algumas cidades, de aterros sanitários que geram energia a partir de gases produzidos pela decomposição de resíduos orgânicos. É o caso do Aterro Bandeirantes, em São Paulo, um projeto pioneiro que abastece aproximadamente 300 mil moradores da capital paulista com energia gerada a partir do lixo.
Segundo alguns pesquisadores, essa modalidade de geração de energia a partir de biogás pode não ser tão vantajosa quanto a incineração. Apesar de ser mais barata, ela ainda tem um alto custo com a logística, precisa de uma área grande para a instalação dos aterros, polui mais e tem uma menor capacidade geradora. Mesmo assim, é uma ótima iniciativa para resolver dois desafios de uma só vez: produzir energia limpa e remanejar o lixo produzido em volume cada vez maior no planeta.
Lavoisier nos ensinou há mais de duzentos anos que nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Isso vale para o mundo da matéria, mas pode muito bem ser aplicado ao universo da economia. Já que a sustentabilidade ambiental só existe acompanhada do equilíbrio social e econômico, as palavras dele servem também para pensarmos que a sociedade deve esgotar toda sua bagagem e conhecimento científico na busca por ideias que transformem problemas em soluções. E despesas em receitas e oportunidades.

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