segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O dono do lixo




Nosso Rio de Janeiro é, sem dúvida, uma cidade maravilhosa. Além de suas praias e cartões postais conhecidos mundialmente,  tem,  a exemplo do resto do Brasil, um povo hospitaleiro e acolhedor, exceto a um probleminha aqui e outro acolá comum a  toda megalópole -  preocupada em receber bem seus visitantes.
Na década de 80 éramos 5 090.700. Hoje somos, na cidade, 6.186.710 e em toda região metropolitana, somamos 11.812.482 habitantes, segundo dados do IBGE de 2009. Antes tínhamos dúvidas se chegaríamos ao século 21. Hoje a questão é outra. Afinal, de que maneira podemos conter os reflexos do crescimento demográfico no meio ambiente?
O planeta dá indícios de esgotamento e o vilão número um tem ligação direta com o comportamento humano. A quantidade de lixo produzido. E o que fazer? Eis a indagação constante dos mais preocupados.
Estima-se que cada pessoa produza diariamente 5 Kg de lixo. A partir deste dado é só fazer as contas e chegarmos a um resultado um tanto assustador. Juntos,  somos responsáveis por mais de 59 mil toneladas diárias de lixo que sem o devido manejo vão para os aterros sanitários. Ou seja, tudo o que jogamos fora na cidade maravilhosa, seja doméstico, industrial, hospitalar, agrícola, radioativo ou tecnológico vai direto para Gramacho, que a despeito dos cálculos da quantidade de lixo per capta, estima-se receber 8.800 toneladas todos os dias. Isso por que essa tem sido uma alternativa 15 vezes mais viável do que reciclar.
Projetado na década de 70, o Aterro de Gramacho é o destino dos resíduos sólidos das cidades do Rio de Janeiro, Nilópolis, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti. Já naquela época, especialistas indicavam que o local, às margens da Baía de Guanabara e dos rios Sarapuí e Iguaçu, não era indicado, mas contrariando todas as previsões e a portaria do CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente, que proíbe o lançamento de resíduos em cursos d’água, em setembro de 78, o aterro começou efetivamente sua função.
 Em dez anos de existência, recebia 100 mil toneladas de lixo e já em 87 foi detectada a contaminação do ambiente por metais pesados como cobre, chumbo, cádmio, zinco e cromo.
Mesmo assim, rompeu as barreiras do século 21  recebendo em seus 285 hectares, significantes 9 mil toneladas de lixo dispostos em montanhas de 36 metros de altura, o equivalente a um prédio de 12 andares.
Durante todo esse tempo, o aterro de Gramacho tirou o sono de muita gente e várias foram as tentativas de prolongar sua vida útil: melhoria no sistema de drenagem de águas pluviais, drenagem e coleta de chorume e cobertura dos resíduos sólidos com argila.
Nada foi o bastante. Somente em junho de 2009 a vontade saiu do papel, com a inauguração da usina de Biogás do Aterrro Metropolitano de Jardim Gramacho. O calculo de produção é animador: cerca de 160 milhões de metros cúbicos de biogás por ano, através do chorume que nada mais é que o resultado residual da lavagem do lixo pelas águas das chuvas.
O projeto, aprovado pela ONU, renderá 10 milhões em  crédito de carbono em 15 anos de atividade, tempo de durabilidade previsto para a reserva de gás. Além disso, o programa assegura a manutenção do aterro por mais 15 anos após o fim das operações pela empresa concessionária que atende aos requisitos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto pelo protocolo de Kioto.
Todo esse esforço foi para garantir que o mesmo chorume, que agora se tornou fonte de energia, não atingisse a Baía de Guanabara causando um desastre ambiental sem precedentes. Diante toda esta longa explicação, você deve estar se perguntando: e por que mesmo assim, não vemos a baía mais limpa? Talvez por que a iniciativa não devesse partir somente dos governos, seja no âmbito federal, estadual, ou municipal, no que concerne aos 16 municípios em seu entorno. O que pouca gente sabe, ou se dá conta,  é de que,  se no início,  a principal vilã dessa história foi a atividade industrial, hoje a culpa é muito mais nossa, que nos acostumamos em esperar que as “autoridades competentes” tomassem a iniciativa.
Pense nos 5 quilos de lixo que produzimos diariamente, na quantidade de detritos que vemos nas ruas e nos rios que cortam nossos municípios despejando 200 mil litros por segundo de água ora doce,  com todo tipo de sujeira imagináveis.    São pedaços de madeira, tubos de imagem de TV, geladeiras velhas, sofás, carcaças de carros e até cadáveres. Barcos de coletas e  ecobarreiras, isolamentos feitos com garrafas PET, são insuficientes para conter o grande volume de lixo que flutua na Baía:  cerca de 80 toneladas diárias em dias mais estáveis, chegando a 200 em dias de fortes chuvas e maré.
E como se não bastasse, tem ainda o que os olhos não vêem... Dos 380 Km² de sua área, 20 estão completamente assoreados, a ponto de não existir mais vida. O que ganhamos de herança foi somente uma superfície revestida com plástico e outros resíduos que um dia estiveram em nossa casa, em nossas mãos e irresponsavelmente lançamos a esmo no ambiente.
Diante dos fatos, resta a pergunta: quando é que vamos parar de cobrar do governo iniciativas que dependem de nós? Uma recente pesquisa realizada pela agência Reuters e pela empresa Ipsos, que ouviu 24 mil pessoas em 23 países, incluindo o Brasil, antes, durante e depois da Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas em Copenhague, a respeito do índice de satisfação da população com seus governantes e líderes empresariais referente as medidas corretas para evitar a mudança climática global, a cada 100 entrevistados brasileiros, 43 declararam-se insatisfeitos.
          Partindo desse ponto de vista, e dessa cobrança frenética aos poderes governamentais, questões afins permeiam minha mente: Como podemos ensinar nossos filhos a serem cidadãos mais conscientes sem dar o exemplo? Porque não começar fazer a nossa parte? Afinal, as pessoas não jogam lixo no chão de suas casas. Mas, distraidamente deixam cair inofensivos papéis de balas, pipocas e outros tantos nas ruas.
 E chegamos à máxima: que geração estamos deixando para o mundo como legado? E que mundo estamos deixando para nossos filhos?
                 Podemos mudar agora esse quadro e diminuir a nossa responsabilidade nessa degradação ambiental. Assim, deixaremos de ser os donos do lixo, para assumir o papel de donos do mundo. De um mundo consciente e de cidadãos ambientalmente responsáveis.

Claudia Cataldi é jornalista e presidente do Instituto Responsa Habilidade
Claudiacataldi12@yahoo.com.br

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