Revelando um grande racha na base aliada do governo Dilma às vésperas
da Rio+20, a votação do Novo Código Florestal confirmou a disposição da
maioria da câmara em mudar, para pior, o projeto aprovado no final de
2011 no senado, o qual já continha uma série de dispositivos contrários à
preservação ambiental.
Entre os pontos polêmicos do texto aprovado na câmara estão a liberação
de crédito agrícola para quem desmatou, a vulnerabilidade das áreas em
torno de nascentes de rios e a permissão a desmatamentos em topos de
morro e manguezais, áreas consideradas sensíveis.
Na votação nominal (
veja a lista),os
deputados teriam que dizer se eram a favor do texto do senado com
parecer contrário de Piau. Ou seja, se concordavam com o relator ou com o
texto que veio do Senado. A maioria, 274 deputados, ficaram ao lado do
relator. Ao todo 184 deputados votaram concordando com o texto do
senado. Houve duas abstenções.
Essa maioria inclui gente de partidos de aliados, como o PMDB. Além do
PMDB, DEM, PDT, PTB, PSC votaram nesse sentido, favoráveis ao relatório
de Piau.
Depois da votação do texto base, os deputados votaram destaques, que
são um mecanismo por meio do qual é possível retirar parte da proposição
a ser votada.
O plenário apreciou 15 destaques. Em um deles, do DEM, foi retirado do
texto a obrigação de divulgar na internet os dados do Cadastro Ambiental
Rural (CAR). Segundo o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), seria um
absurdo os proprietários de terras terem seus dados expostos na
internet.
Outro destaque aprovado pelos deputados, este do bloco PSB-PCdoB,
incluiu texto da câmara que não considera apicuns e salgados como Área
de Preservação Permanente.
Supressão
Durante todo o dia, congressistas do PSOL questionaram o relatório de
Piau, que suprimiu alguns dispositivos pela metade, retirando até os
princípios que constam na parte inicial do código. De acordo com Ivan
Valente (PSOL-SP), essa supressão de trechos é irregular, pois contraria
os regulamentos em comum das duas casas (senado e câmara).
O presidente da câmara, Marco Maia (PT-RS), rejeitou o requerimento de
Valente. Apesar disso, Maia trouxe de volta ao texto a obrigatoriedade
de recomposição de Áreas de Preservação Permanente às margens de rio,
também suprimida no relatório de Piau, pois entendeu que, por já ter
sido examinada anteriormente nas duas casas legislativas, não poderia
ser suprimida.
Uma das falas mais inflamadas contrárias à modificação, para pior, do
código, foi a do deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ). "Vivemos aqui um
momento importante, vai ser votado, com os olhos do mundo em nós, esse
retrocesso espantoso na política ambiental", afirmou. "Estamos a dois
meses da Rio+20, e esta casa se prepara para dar um espetáculo
deprimente de farsa. Farsa quando se pretende defender aqui os pequenos
proprietários. Aqui, o que está em questão é interesse de especuladores
de terra que vão ganhar fortuna quando não houver necessidade de se
recompor áreas de preservação permanente."
O líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que a proposta
aprovada pela Câmara nesta noite é "insuficiente" e já nasce precisando
de mudanças. "Depois de tantos anos, estamos talvez produzindo uma peça
que não vai parar fácil em pé", disse Chinaglia.
Chinaglia disse ainda que os deputados que aprovaram o texto do
relator, o deputado Paulo Piau (PMDB-MG), deram um "tiro no escuro" por
considerar que o programa de regularização previsto pelo projeto não vai
dar conta de regular as previsões do texto. Um ponto que ficou de fora
foi a determinação das áreas de preservação permanente a serem
recompostas nas margens de rios com mais de 10 metros.
Ele também considera "bobagem" colocar em dois lados opostos o
argumento ambiental e o da produção de alimentos. "A vida depende de
luz, de terra e de água. Se o produtor faz assoreamento do rio, a
produção da terra vai cair", disse.
Veta Dilma
Após a aprovação do novo Código Florestal na Câmara, nesta quarta-feira
(25), diversos deputados voltaram a defender o veto da presidente Dilma
Rousseff à proposta. Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), o
relatório do deputado Paulo Piau (PMDB-MG) com modificações ao texto do
Senado poderá ser vetado porque provocaria consequências nefastas ao
meio ambiente e à agricultura.
O deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) sustentou que, “diante desse desafio à
sua autoridade, e do vexame que o Brasil irá sofrer perante o mundo com
a aprovação da proposta, só restará à presidente Dilma vetar o
relatório”.
O veto da presidente Dilma também foi defendido pelo deputado Ricardo
Tripoli (PSDB-SP). Segundo ele, a discussão da proposta “não é lúcida,
mas esquizofrênica, porque atende a objetivos de poucos”. “Não se está
falando do pequeno proprietário, mas de grandes investimentos.”
Tripoli calcula que a dívida de proprietários rurais que descumpriram a legislação atual alcança hoje cerca de R$ 30 milhões.
O Comitê Brasil em Defesa das Florestas, que coordena a campanha do
Floresta Faz a Diferença, continua sua campanha do #VETADILMA, que
defende o veto total do texto aprovado na quarta-feira em Brasília.
APPs
Na discussão desta quarta-feira, continuou a polêmica em torno da
recuperação de áreas de preservação permanente (APPs) de margens de
rios, principalmente nas pequenas propriedades. Embora faça parte da
base do governo, Paulo Piau contrariou o Planalto e alterou o
substitutivo do Senado no que se refere ao assunto.
Inicialmente, o relator eliminou da proposta a definição das faixas de
matas ciliares a serem recompostas em todos os rios. Tanto a câmara
quanto o senado aprovaram a exigência de recuperação de 15 metros de
vegetação nativa para rios com até 10 metros de largura.
Como o Regimento do Congresso prevê que texto aprovado nas duas casas
não pode mais ser rejeitado ou modificado no mérito, o presidente da
câmara, Marco Maia, determinou que o relator retornasse o dispositivo ao
projeto.
Área produtiva
Para a bancada ruralista, favorável ao relatório de Piau, a alteração
vai reduzir a área produtiva do país, principalmente nas pequenas
propriedades. De acordo como presidente da Frente Parlamentar da
Agropecuária, deputado Moreira Mendes (PSD-RO), a diminuição será de
cerca de 33 milhões de hectares. “É um contrassenso reduzir área de
produção de alimentos quando 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo”,
argumentou.
O deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) afirmou que, dessa área retirada
da agricultura, 11 milhões de hectares são de pequenos produtores. Para
ele, “é irresponsável obrigar esses proprietários a ter reserva legal e
tirar as terras de brasileiros”.
Falsa ilusão
Segundo o deputado Bohn Gass (PT-RS), entretanto, essa dificuldade para
a agricultura familiar alegada pelos ruralistas é uma “falsa ilusão”.
“O próprio governo sugeriu corrigir no futuro algumas consequências
paras esses produtores, mas a proposta não foi aceita.”
Para Alfredo Sirkis, o problema dos pequenos proprietários está
resolvido há muito tempo. Ele afirmou que, agora, está em jogo o
“interesse de especuladores, que vão ganhar uma fortuna quando não
tiverem mais que reconstituir APPs e reserva legal, porque isso vai
valorizar terrenos, sem investirem um centavo”.
Pequenos produtores
Em defesa do relatório de Piau, o líder do PMDB, deputado Henrique
Eduardo Alves (RN), afirmou que o texto vindo do senado “melhorou
muito”. No que se refere à área de composição de APPs nas margens de
rios, ele afirma que não se pode prejudicar 3,6 milhões de pequenos
agricultores, “que esse Código deve proteger, mas querem que criminalize
como bandidos”.
Já o líder do PT, deputado Jilmar Tatto (SP), disse que foi justamente
para atender ao pequeno proprietário rural que a casa revisora reduziu
de 30 para 15 metros a necessidade de recuperação de matas ciliares de
margens de rios com até 10 metros de largura.
De acordo com o líder do PT, essa alteração significa uma redução de
1.258% nessas áreas de proteção nas propriedades de até 26 hectares. Ele
ressaltou que, pela lei atual, esses proprietários têm de preservar
16,3 hectares com APP e, com a nova lei, a área passará a ser de 1,2
hectares.