quinta-feira, 28 de abril de 2011

Medicina que nasce no campo

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Plantas de estudo são cultivadas em biofábricas
As transformações que a biotecnologia tem trazido à agricultura não se limitam ao desenvolvimento de cultivares agrícolas mais produtivas e resistentes. Nas estufas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília, técnicas de manipulação genética aplicadas a espécies vegetais comuns acenam com um futuro ainda mais inovador para a produção do campo. Ali, um grupo de cientistas liderado pelo engenheiro agrônomo Elíbio Rech realiza há cerca de uma década pesquisas muito peculiares para gerar substâncias que darão origem a fármacos. Tais estudos, realizados em parceria com o Instituto Nacional de Saúde americano e a Universidade de Londres, têm como base a soja, usada na produção de hormônio de crescimento humano e também na obtenção de proteínas capazes de impedir a contaminação pelo vírus HIV; e o tabaco, empregado na pesquisa para a produção de anticorpos para o combate ao câncer.

Como produzirão substâncias até então desenvolvidas apenas pelo corpo humano, as espécies utilizadas nesses trabalhos, que relacionam produção agrícola a saúde, estão sendo chamadas de plantas humanizadas. “Mas jamais haverá risco de que elas sejam usadas para a produção de alimentos”, apressa-se em dizer Rech. Segundo o pesquisador, especialista de fitopatologia, o projeto tem como objetivo desenvolver novos produtos farmacêuticos e baratear processos já existentes. É o caso da produção do hormônio de crescimento, hoje sintetizado comercialmente por meio da cultura de bactérias, mas que, com o uso da engenharia genética, poderá ganhar escala e vir a custar um décimo de seu preço atual.


Filipe Borin 
A geração desses novos produtos baseia-se na transferência de genes entre reinos distinos, animal e vegetal. Tal operação só é possível em virtude da biobalística, processo que permite a introdução de genes selecionados em células de outros organismos. Na produção de hormônio de crescimento a partir da soja, um equipamento de laboratório acelera microprojéteis de ouro ou tungstênio contendo a proteína de crescimento a uma velocidade acima de 1.500 quilômetros por hora, carregando os genes para o interior da célula do grão, que assim passa a produzir o hormônio (quadro ao lado). Após esse “microbombardeio”, como se refere Elíbio Rech, obtêm-se as mudas das plantas, que então são levadas para a estufa – ou biofábrica –, onde as condições de desenvolvimento são controladas. Foram necessários quatro anos para dominar as técnicas aplicadas nessas etapas.


Ernesto de Souza 
O experimento já rendeu cerca de 50 quilos de sementes, encaminhadas a indústrias farmacêuticas não reveladas pela Embrapa. Elas irão extrair o hormônio de crescimento dos grãos e testá-lo inicialmente em animais. Um medicamento proveniente dessas pesquisas levará eventualmente ainda uma década para ser lançado. “São necessários muitos ensaios para garantir sua segurança“, diz Rech.


Alan Marques/ Folhapress
Elíbio Rech, da Embrapa: estudos trarão novas oportunidades para agricultores
A produção de uma proteína com capacidade de combater o vírus HIV – a cianovirina, encontrada em algas – está numa fase menos adiantada. Por meio da biobalística, a proteína está sendo inoculada em bactérias que se desenvolvem em sementes de soja. O objetivo é chegar à fabricação de um gel feito com essa substância, a ser aplicado pelas mulheres na vagina antes das relações sexuais. Também em fase preliminar está o projeto para o desenvolvimento de um antígeno contra o câncer a partir de folhas de tabaco. Nesse trabalho, são empregadas bactérias de solo que apresentam capacidade de transferir o gene selecionado para fabricar anticorpos. Elíbio Rech acredita que, com isso, as famílias de agricultores da região sul do país que têm o cultivo de tabaco como principal atividade poderão passar a fornecer matéria-prima para o setor farmacêutico, em lugar da indústria de fumo. O pesquisador da Embrapa está convicto de que, no futuro, o país será um grande exportador não apenas de commodities, mas também de proteínas e medicamentos extraídos das plantas.

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