sexta-feira, 15 de julho de 2011

Entre a censura e o direito à informação

Às voltas com a organização de um livro sobre a vida e obra do embaixador José Aparecido de Oliveira, jornalista, primeiro secretário de Cultura de Minas Gerais, primeiro ministro da Cultura do Brasil, governador de Brasília, além de muitas e tantos outros títulos, comendas e apresentações, me deparo com as informações das perseguições por que ele e sua família passaram durante o período Militar, o governo de exceção que imperou por 21 anos em nosso país.

Fatos que mesmo com sua vasta e expressiva vida pública, durante anos e anos de exposição nacional e internacional, ficaram esquecidos, até os dias de hoje. Faço essa colocação inicial em virtude da indefinição quanto ao direito natural dos povos livres em saber sobre o seu passado, sobre a sua história. Assunto que toma o debate nacional nesses dias de indefinições e incertezas de nosso governo atual quanto a divulgação ou não dos documentos secretos.

Cassado em 1964, pelo primeiro Ato Institucional n° 1, que lhe tomou o mandato de deputado federal, mandato esse que o povo mineiro lhe deu com uma das mais expressivas votações em nosso Estado em todos os tempos, José Aparecido, investido em representatividade política, pertencente ao partido articulador do movimento de abril de 64, a UDN, não teve privilégio algum e não foi poupado nos episódios que seguiram em uma sucessão de arbitrariedades. Coloco isso pelo valor da pesquisa e da informação, coisa que não tivemos o direito de saber quando ela aconteceu, quando os fatos se sucederam. Pois, como agora, não tínhamos o acesso seguro às informações do dia, com as redações dos jornais debaixo de atenta censura, como agora estão os arquivos secretos do Brasil pelo governo. Sendo assim, vão aqui algumas constatações, para que não percamos nunca o foco, a eterna vigília, preço de toda liberdade.

Sem mandato, monitorado e morando no Rio de Janeiro, a mãe de José Aparecido, dona Araci, ficava a maior parte do tempo sozinha na casa da família, em Belo Horizonte. Um dia, dona Araci foi a Conceição do Mato Dentro para cuidar da tia doente. Quando voltou, a porta da cozinha da casa estava arrombada, a golpes de machado. No interior da casa, tudo revirado, com documentos e pertences pessoais roubados. Ela, uma distinta senhora, educadora reconhecida pelo governo do Estado com o título de Mestra, se sentindo violada, quis se mudar da capital para a pacata vida interiorana de Conceição do Mato Dentro. Mas não sabia que violação maior ainda estava por vir, quando o caminhão com a mudança da família foi interceptado por um pelotão do Exército, que lhe tomou todas as caixas com arquivos, livros e documentos. Ali foi um pouco da história da família e do coração da mãe de José Aparecido, pois como educadora e mãe zelosa, guardava em pastas os primeiros desenhos dos filhos, os primeiros cadernos, as primeiras redações, as fotos da família.

Pouco tempo depois, os militares mineiros organizaram uma exposição com os materiais apreendidos nas casas dos ditos subversivos. A família de José Aparecido reconheceu entre eles a réplica do satélite Sputnik, presente do astronauta russo Yuri Gagárin a Aparecido quando visita oficial ao presidente Jânio Quadros, em Brasília; e uma caixa de charutos personalizada, presente de Fidel Castro quando Jânio Quadros, eleito presidente do Brasil, fora visitar a ilha de Cuba acompanhado por sua comitiva.

São histórias como essas que parte desses arquivos guardam e que não podem ficar esquecidas, pois assim fica faltando um pedaço de nossa história, uma parte de nossa memória. E um povo sem história é com um povo sem alma, condenado a repetir os mesmos erros e equívocos do passado, sem nunca aprender a lição.



Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor

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