domingo, 27 de março de 2011

Ver com som

 

Na seção anterior, vimos que a estrutura alar singular dos morcegos lhes dá grande navegabilidade no vôo. Isso é fundamental para a sobrevivência do morcego, pois suas presas principais são insetos pequenos e ágeis. A tarefa de caçar fica ainda mais difícil, porque eles só são ativos à noite, ao amanhecer e ao escurecer. Os morcegos se adaptaram a esse estilo de vida para evitar os predadores alados ferozes que são ativos durante o dia, e também têm a vantagem da abundância de espécies de insetos que são ativos à noite.




Foto cedida Georgia Museum of Natural History
O morcego Plecotus rafinesquii, de orelhas grandes, é um microquiróptero encontrado no sudeste dos Estados Unidos. As orelhas enormes ajudam o morcego a localizar a presa com exatidão.


Para ajudar a encontrar sua presa no escuro, a maioria das espécies de morcegos desenvolveu um notável sistema de navegação denominado ecolocalização (ou ecolocação). Para entender como funciona a ecolocalização, imagine um "desfiladeiro de ecos". Se ficarmos em pé na borda de um desfiladeiro e gritarmos "olá", ouviremos o eco de nossa voz um instante depois.
O processo que faz isso acontecer é muito simples. Produzimos o som quando o ar que expelimos dos pulmões faz vibrar as cordas vocais. Essas vibrações causam flutuações no ar expelido e formam uma onda sonora. Uma onda sonora é apenas um padrão em movimento de flutuações na pressão do ar. A pressão variável do ar empurra as partículas circundantes e depois as puxa de volta. Essas partículas, então, empurram e puxam as partículas adjacentes a elas, transmitindo a energia e o padrão do som. Assim, o som pode percorrer longas distâncias pelo ar. A altura e o tom do som são determinados pela freqüência das flutuações da pressão do ar, que são determinadas pelo modo como movemos as cordas vocais.
Quando gritamos, produzimos uma onda sonora que viaja através do desfiladeiro. A parede de rocha do lado oposto do desfiladeiro reflete a energia da pressão do ar da onda sonora de modo que ela começa a se deslocar na direção oposta, ao nosso encontro. Em uma região onde a pressão atmosférica e a composição do ar são constantes, as ondas sonoras sempre se deslocam em velocidade constante. Se soubéssemos a velocidade do som na região e tivéssemos um cronômetro preciso, poderíamos usar o som para determinar a distância de um lado ao outro do desfiladeiro.
Digamos que você está ao nível do mar e o ar é relativamente seco. Nessas condições, as ondas sonoras se deslocam a 1.193km/h, ou 0,32km/s. Para calcular a distância entre os dois lados do desfiladeiro, basta cronometrar o tempo decorrido entre o momento em que começamos a gritar e o momento em que ouvimos o eco de nossa voz pela primeira vez. Digamos que demorou exatamente 3 segundos. Se a onda sonora estivesse se deslocando a 0,32km por segundo durante 3 segundos, ela percorreria 0,97km. Essa é a distância do percurso total, ida e volta, de um lado ao outro do desfiladeiro. Ao dividirmos o total por dois, temos 0,48km como a distância de ida (ou de volta).

Esse é o princípio básico da ecolocalização. Os morcegos produzem sons como nós, por meio do deslocamento de ar que faz as cordas vocais vibrarem. Alguns emitem sons com a boca, que eles mantêm aberta durante o vôo. Outros emitem sons pelas narinas. Ainda não se sabe exatamente como funciona a produção do som nos morcegos, mas os cientistas acreditam que a estranha estrutura nasal encontrada em alguns deles serve para direcionar o barulho e localizar com maior exatidão os insetos e outras presas.
No caso da maioria dos morcegos, o som da ecolocalização tem um tom altíssimo - tão alto que vai além da capacidade auditiva humana. Mas esse som se comporta do mesmo modo que o som de nosso grito. Ele viaja pelo ar como uma onda, e a energia dessa onda vai de encontro a qualquer objeto que encontrar pelo caminho. O morcego emite uma onda sonora e ouve atentamente os ecos que chegam até ele. O cérebro do morcego processa as informações recebidas do mesmo modo que processamos o som de nosso grito, com um cronômetro e calculadora. Ao determinar o tempo que leva para o som retornar, o cérebro do morcego calcula a que distância está o objeto.
Além disso, o morcego determina onde o objeto está, seu tamanho e em que direção ele está se movendo. O morcego sabe se o inseto está à direita ou à esquerda ao comparar se o som chega ao seu ouvido direito ou esquerdo. Se o eco chegar primeiro ao ouvido direito, obviamente o inseto está à direita. Os ouvidos do morcego contam com um conjunto complexo de dobras que o ajudam a definir a posição vertical do inseto. Ecos que vêm de baixo chegam às dobras do ouvido externo em um ponto distinto daquele dos sons que vêm de cima, e serão percebidos de outro modo quando chegarem ao ouvido interno do morcego.



Foto cedida Heurisko Ltd
O morcego-fantasma (Macroderma gigas) é a única espécie de morcego carnívoro da Austrália. Ao usarem a ecolocalização, os morcegos-fantasmas caçam grandes insetos, lagartos, rãs, aves e até mesmo outros morcegos.


O morcego baseia-se na intensidade do eco para saber o tamanho do inseto. Um objeto menor reflete menos energia da onda sonora e, assim, produz um eco menos intenso. De acordo com o tom do eco, o morcego pode perceber em que direção o inseto se move. Se o inseto se afasta dele, o eco terá um tom mais baixo do que o som original, ao passo que o eco de um inseto que se move em direção ao morcego tem um tom mais alto. Essa diferença é causada pelo efeito Doppler. Há informações sobre esse efeito em Como funciona o radar.
O morcego processa todas essas informações inconscientemente, do mesmo modo que processamos as informações visuais e auditivas que captamos. O morcego forma uma imagem de ecolocalização em sua mente, semelhante à imagem que formamos na nossa de acordo com as informações visuais que recebemos. Além disso, os morcegos processam informações visuais - contrário à crença popular, a maioria dos morcegos tem ótima visão. Eles usam a ecolocalização em conjunto com a visão, não para substituí-la.
Na próxima seção, vamos abordar a outra parte da vida dos morcegos: o que eles fazem durante o dia. Como veremos, a vida diurna de um morcego não poderia ser mais diferente de sua vida noturna, mas é igualmente fenomenal.

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