segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Meio ambiente do Nordeste na visão de Gilberto Freyre

Recentemente, li um livro de Gilberto Freyre, publicado pela primeira vez em 1937, que me deu a dimensão do seu pensamento sobre o meio ambiente do Nordeste brasileiro e de sua percepção da ecologia. Um termo, aliás, que, embora tenha sido cunhado em 1869, só começou a ser usado no Brasil mais de 50 anos depois, ocasião em que em Pernambuco estavam em plena atividade intelectual e formuladora de cientistas como Dárdano de Andrade Lima e Vasconcelos Sobrinho.

Do livro Nordeste – aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem, é possível fazer uma leitura sociológica, antropológica e ecológica da região, mesmo que a sua abordagem seja somente do Litoral e da Zona da Mata. De um Nordeste agrário e do açúcar, em detrimento de uma visão também do Sertão, considerado o “outro Nordeste” por Manuel Correia de Andrade, o do pastoreio pelo gado.

Gilberto Freyre viu no canavial um caráter civilizador, mas reconheceu ao mesmo tempo a sua dimensão devastadora do meio ambiente.


Mesmo não sendo um especialista na temática ambiental e considerando a época em que o livro foi escrito, ele contextualizou a mata, os bichos nativos e a água como personagens vitimados pelo modo de apropriação da terra e dos homens.

É certo que Gilberto Freyre viu no canavial um caráter civilizador, mas reconheceu ao mesmo tempo a sua dimensão devastadora do meio ambiente, desvirginando a floresta do modo mais cruel, com as queimadas, substituindo a diversidade pela monocultura absoluta, só restando “os ossos da mata”.

Nesse livro, denuncia que a cultura da cana aristocratizou o branco, degradou índios e negros e tornou desprezível a floresta. Diferente do que poderia se esperar de uma sociedade tipicamente rural, dessas que ainda se vê em alguns rincões na Europa, onde culturalmente ocorre uma relação de reciprocidade entre o homem e a natureza, aqui o homem e a mata sempre estiveram em estado de guerra.

Em sua visão, por isso os animais da mata eram encarados como inimigos do canavial civilizador, “espécie de última defesa da vegetação bruta contra a planta invasora”. Era tanta a aversão e até medo deles, que nem se tentou domesticá-los, sendo tangidos e mortos pelas queimadas e pela caça. Exceção só se fez a alguns, como o “papagaio falador”.

Uma evidência de que os bichos nativos pouco ocupavam o imaginário popular é que o jogo do bicho, tão popular no Nordeste, reflete sonhos com animais europeus.

Melhor destino não receberam as águas, apesar de que, de início, os rios tenham sido vistos como amigos a serem visitados e reconhecidos, onde os banhos, como no Capibaribe, curavam doenças e atraiam tanto moleques quanto sinhazinhas, num movimento de interação ao que chamou de “poetização da água pela gente dos canaviais e das várzeas”. Mas depois, salienta, vieram as usinas “com suas caldas, os transformando em mictório”. Por fim, as casas já não davam a frente para a água, “ficando de costas para o rio, com nojo”.

Quase cem anos depois, essa percepção parece ainda atual, embora os matizes da devastação e do uso insustentável dos recursos naturais já não se façam tanto pela cultura açucareira, mas por agentes muito mais diversificados.

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