segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

E se o código garantisse mais floresta?

Fonte: Correio Braziliense

Reformar o Código Florestal significa regular três grandes tarefas estratégicas – conservar, restaurar e usar as florestas – assim como estabelecer os instrumentos para que elas sejam realizadas na prática.  O código atual, filho de outra época, tem foco meramente em conservar, mas sem os devidos instrumentos de implementação que a sociedade contemporânea requer.  Sendo que alguns, ainda hoje, nem sequer conservar querem – ou só buscam emplacar propostas de anistia sobre os passivos acumulados no campo – a necessária reforma do código ficou até hoje refém dessas ameaças.  Tais tentativas, mesmo frustradas no Congresso nas últimas três legislaturas, não deixaram de ter duas consequências práticas.
A primeira tem sido o adiamento, ou mesmo a inviabilização, de programas de regularização na área rural: os produtores foram instigados a boicotá-los, com o argumento de que, ao aderir, eles perderiam a oportunidade futura de uma impunidade ampla, geral e irrestrita.  Dessa forma, o bolo dos passivos cresceu de forma exponencial.  A segunda foi a de impedir a atualização da lei para atender as demandas da grande maioria da sociedade contemporânea, que deixou de enxergar as florestas como restrição à atividade econômica e as encara, ao contrário, como oportunidade de desenvolvimento e fonte de serviços essenciais.
Nas últimas semanas, fiquei mais otimista sobre a possibilidade de destravar o processo e criar as condições para uma efetiva reforma do código.  A nova conjuntura, mais promissora, depende de uma diversidade de fatores.  Alguns são de natureza política, como a confirmação de que a presidente da República iria vetar quaisquer anistias que injustiçassem os que cumprem a lei, caso tais propostas avançassem.  Outros fatores vêm do campo: muitos produtores cansaram de apostar em soluções políticas e, seja por estímulos do mercado para obter certificações, por pressão do Ministério Público para entrar nos cadastros rurais ou por simples necessidade de recuperar produtividade na fazenda, começaram a pôr a mão na massa para superar os passivos, independentemente de obrigações.
Alguns setores do agronegócio, exportadores e mais consolidados até assumiram a recuperação ambiental como política e, legitimamente, desejam ver esse investimento reconhecido e respeitado.  Ao mesmo tempo, ambientalistas que tendiam a ver no status quo do código, por conta das ameaças constantes de retrocesso, um baluarte a ser mantido a qualquer custo, começaram a entender que a mera defesa do código se tornava, ao longo do tempo, uma vitória de Pirro.
Enquanto isso, a sociedade como um todo – chocada com as constantes tragédias causadas, ou agravadas, pelo desmatamento – tolera sempre menos qualquer vista grossa com o fenômeno.  E aí aparece mais um fato novo: está para se tornar público expressivo trabalho realizado pela comunidade científica brasileira que altera as condições do debate, esclarecendo que qualquer nova tentativa de mexer no código deve ser embasada pela ciência.
Eis que surge um caminho que rompe com o impasse convencional, entre defesa do código e ameaças de retrocesso.  Ao contrário do que muitos pensam, o novo caminho não é algum meio-termo entre abordagens que pertencem ao passado, seja um arcaico destrutivismo, seja um preservacionismo exclusivamente dependente de uma capacidade de comando e controle que nunca se concretizou.  O caminho é buscar a solução na frente, com criatividade e inovação: um código florestal inteligente, que reflita a diversidade e a complexidade da malha territorial assim como os impactos diferentes de suas formas de uso; que crie e regule mercado para os ativos e passivos florestais a partir de mecanismos de troca e recomposição, inclusive para progressiva regularização; que fomente a estruturação das cadeias relacionadas com os produtos e serviços florestais em articulação com a indústria; que garanta as condições de produtividade para a necessária competitividade da agropecuária em suas diferentes escalas, ampliando os avanços expressivos que alguns segmentos já alcançaram; que crie as condições para aumentar o patrimônio florestal do país em vez de mitigar as condições de perda.
Se a sociedade souber sinalizar, com novas e ousadas articulações, que esse é o caminho, dificilmente o governo deixará de pautar a proposta, em fase de construção, em tais bases.  E dificilmente o Congresso recém-empossado perderá a oportunidade de superar um embate que já se tornou caricatural, cumprindo a tarefa histórica de desenhar a regulação para as próximas décadas em vez de olhar para as décadas passadas.
Roberto Smeraldi.  Jornalista, é diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do Novo manual de negócios sustentáveis

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