Uma tecnologia utilizada na indústria naval –para exploração de
petróleo em águas profundas, entre outras aplicações –irá auxiliar
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus
experimental de São Vicente, a conhecer melhor o comportamento de raias
marinhas e de água doce.
Os cientistas estão testando em cativeiro e em breve começarão a
utilizar Veículos Subaquáticos Operados por Controle Remoto (ROVs, na
sigla em inglês), combinados com equipamentos de radiotelemetria e
telemetria acústica, para estudar padrões de movimentação e distribuição
de raias em rios do oeste paulista e no litoral norte do estado.
Resultado de um projeto apoiado pela FAPESP, o estudo utilizando ROVs e radiotelemetria especificamente para essa finalidade era inédito no Brasil.
“As tecnologias se complementam e possibilitarão trazer à tona
informações sobre a ecologia espacial de algumas espécies de raias que
ainda são desconhecidas, já que estudos dessa natureza ainda não foram
realizados no estado de São Paulo, especialmente em função do custo
elevado e da necessidade de formação específica”, disse Domingos Garrone
Neto, pesquisador da Unesp, à Agência FAPESP.
O pesquisador iniciou um estudo sobre o comportamento de raias
utilizando radiotelemetria – em que são inseridos no animal
transmissores que emitem sinais de rádio – em 2011, no rio Paraná, na
divisa com Mato Grosso do Sul.
Como o peixe cartilaginoso, a exemplo dos tubarões, usa o sistema
eletrossensorial para detectar suas presas, Garrone começou a questionar
os possíveis efeitos dessas marcas eletrônicas no comportamento dos
animais.
Para analisar os eventuais impactos dos equipamentos de
radiotelemetria em raias, o pesquisador optou por continuar a pesquisa
em cativeiro, em aquários montados especialmente para essa finalidade.
“Estamos terminando os experimentos e, em breve, saberemos se os
radiotransmissores interferem ou não no comportamento das raias”, disse
Garrone.
No litoral paulista, o pesquisador conheceu o Núcleo de Tecnologia
Marinha e Ambiental (Nutecmar), que opera ROVs, e viu a possibilidade de
incorporar mais essa tecnologia a sua pesquisa sobre ecologia espacial
de raias.
Após realizar cursos na empresa para operar o equipamento, cujos
comandos são similares aos de um helicóptero, Garrone pretende
utilizá-lo em seu projeto de pós-doutorado, sob a supervisão do
professor Otto Bismark Fazzano Gadig.
“Pretendemos utilizar ROVs para explorar tanto o mar como a água doce
para analisar o comportamento de tubarões e raias em grandes
profundidades de dia e à noite”, explicou Garrone.
Inicialmente, os pesquisadores estão utilizando um ROV cedido pela
empresa parceira do projeto para realizar os estudos. Mas, no fim de
abril, deverão começar a operar um equipamento próprio, importado da
Rússia e adquirido com auxílio da FAPESP.
Avaliado em cerca de US$ 60 mil, o ROV que será adquirido pelos
pesquisadores pode atingir até 150 metros de profundidade e é capaz de
operar ininterruptamente quando plugado por um cabo de energia a uma
corrente alternada, ou entre quatro a doze horas, utilizando a bateria
de navios ou botes.
O equipamento, que pesa cerca de 12 quilos e tem o tamanho um pouco
maior do que de um aparelho de microondas doméstico, é dotado de duas
câmeras, localizadas em sua dianteira e traseira. Operadas na
superfície, as câmeras captam imagens em tempo real, que são
transmitidas para um monitor conectado a um HD de computador fora do
ambiente aquático.
O robô também tem diodos de laser que possibilitam avaliar a
escala de tamanho dos animais com os quais se defronta na água, além de
braços articuláveis que permitem coletar materiais no fundo do mar.
Outros acessórios do equipamento são sonares que conseguem
identificar os alvos com precisão, mesmo quando o equipamento é operado
em águas turvas, além de propulsores que permitem que o mini submarino
navegue até 4 nós de velocidade, e emissores de luz de LED para
trabalhos noturnos ou exploração de locais com baixa ou nenhuma
luminosidade, como cavidades e ambientes profundos.
Mas, segundo Garrone, uma das maiores inovações do ROV “brasileiro”
será um sistema de depuração de imagens que permitirá melhorar a
visibilidade de imagens capturadas em águas turvas, tornando-as
extremamente limpas como as de uma piscina.
“O robô permitirá substituir nossa presença na água por tempo
ilimitado, possibilitando explorar os ambientes com maior segurança e
precisão, principalmente no mar, onde a profundidade e a temperatura da
água costumam limitar os trabalhos por longos períodos”, destacou.
Acidentes com raias
Garrone se interessou por estudar o comportamento de raias durante a
realização de seu mestrado, em que desenvolveu um estudo com pescadores
na Amazônia e identificou que os acidentes com raias de água doce
representavam um sério problema de saúde pública na região.
Porém, não se sabia muito bem o comportamento desses animais
aquáticos na natureza e aspectos como sua alimentação, reprodução e
interação com outras espécies. E a maioria das poucas pesquisas
disponíveis sobre essa espécie de peixe cartilaginoso era baseada em
observações indiretas do animal coletado muitas vezes por anzol, rede de
arrasto e pesca de espinhel.
Por meio de observações subaquáticas, Garrone fez as primeiras
observações subaquáticas sobre as práticas de caça, os rituais de corte e
acasalamento e o deslocamento desses animais na natureza.
Agora, o objetivo de sua pesquisa utilizando ROVs e equipamentos de
telemetria é aumentar e melhorar o entendimento sobre o comportamento de
raias marinhas e de água doce e tentar responder algumas questões como
se no inverno os animais que habitam a costa de Ubatuba, no litoral
paulista, procuram águas mais quentes e depois retornam no verão, quando
á água está mais aquecida, e se as correntes marinhas influenciam a
distribuição espacial desses animais.
“Essas tecnologias vão nos dar condições de responder essas questões com muita segurança e precisão”, disse Garrone
Os pesquisadores também pretendem utilizar equipamentos de telemetria
acústica, em que são utilizadas ondas de som em vez de rádio, para
estudar o comportamento de raias inicialmente no mar e, futuramente, em
água doce.
Os trabalhos integram uma rede de pesquisas coordenadas pelo
professor Otto Bismark Fazzano Gadig sobre elasmobrânquios brasileiros,
como tubarões e raias, no Laboratório de Estudo de Elasmobrânquios da
Unesp de São Vicente.
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