sábado, 12 de março de 2016

Entendendo o passado, sem aclarar o futuro

Muitas notícias nos jornais e na televisão têm tratado nos últimos dias da questão da água na Região Metropolitana de São Paulo (20 milhões de habitantes) ou no município da capital (11,96 milhões). O foco é o anunciado fim próximo da escassez, com muitas obras que aumentaram o volume captado, até no Sul do Estado, e transposto para a capital a elevados custos.
Por Washington Novaes*
Sempre é interessante verificar o que se pensava há uma década dos temas hoje centrais – embora o escritor Pedro Nava advirta que a experiência é como o farol de um automóvel virado para trás: ilumina o trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. Mesmo porque, como têm afirmado outros pensadores, a velocidade das tecnologias e da informação hoje mostra que o que levava um século para acontecer agora acontece em uma década; o que levava uma década pode acontecer em um ano; e pode até não acontecer nada, porque a inércia de administradores públicos e da própria população paralisa todos, com frequência.
Revendo textos publicados neste espaço há uma década ou pouco mais pelo autor destas linhas mostra, por exemplo, como ainda continuam presentes temas como corrupção em obras públicas, inadequação de megaempreendimentos, insistência em projetos já condenados por tecnologias modernas ou pela Justiça. É o caso, por exemplo, do projeto de transposição de águas do Rio São Francisco (tratado neste espaço em 24/11/2006) para outras áreas do Semiárido, quando as águas do grande rio já não bastam sequer para atender às regiões historicamente supridas – porque a devastação do Cerrado baixou muito o fluxo para o São Francisco, porque os custos da transposição não param de crescer, etc. Recursos hídricos foram tema muito frequente em 2006.
Um exemplo desses temas de uma década atrás (5/5/2006) é o esquecido Cerrado, “primo pobre dos biomas brasileiros”, ou “uma floresta de cabeça para baixo”, como dizia o sábio escritor Carmo Bernardes – porque, ao contrário da Floresta Amazônica, o Cerrado tem a maior parte de sua biomassa debaixo da terra; e porque ali, no subsolo, nascem 14% das águas brasileiras, que chegam com seu fluxo a todas as grandes bacias – amazônica, do Paraná e do São Francisco. Agora, afirma o Ministério do Meio Ambiente, o Cerrado só tem estocada água equivalente a três anos dos seus fluxos; uma estiagem forte pode ter consequências graves.
Outro exemplo é o da usina nuclear de Angra 3 (também tratado aqui em 24/11/2006) – caso em que especialistas no mundo todo não se cansam de advertir para o altíssimo risco de acidentes em usinas nucleares, com custos desastrosos (inclusive em vidas humanas), e para as evidências de desvio de recursos de alto porte. Mas a obra continua aí, frequentando os meios de comunicação. Uma terceira evidência é a defasagem da matriz energética brasileira, que, no momento em que o mundo se volta para as energias renováveis (mais eficazes, mais baratas em grande parte), insiste em termoelétricas de alto custo, hidrelétricas em meio ao bioma amazônico (inconvenientes, problemáticas); e muito mais, principalmente a insistência no consumo de combustíveis fósseis, caros e altamente poluidores, afetando o clima (objeto de vários artigos no mesmo ano).
Já há mais de uma década, tema muito presente foi o da inadequação dos critérios de avaliação do estado do mundo em várias áreas (15/8/2006 e outras datas), influenciados apenas por premissas econômicas, sem olhar para aspectos sociais e culturais. Lembravam-se, na ocasião, as palavras do economista Celso Furtado, para quem grande parte das hipóteses globais das quais partem economistas são “equivocadas”, porque formuladas “a partir da observação do comportamento dos agentes que controlam os centros principais do poder; não interessa saber se aqueles que o exercem derivam sua autoridade do consenso, das maiorias ou da interação de formatos sociais que se controlam mutuamente (…) e por isso as decisões podem ser equivocadas, inadequadas ou em desacordo com os interesses sociais”. E a partir desses pressupostos, “examina o economista os critérios sobre investimentos ou de avaliação do produto interno bruto (PIB) que não levam em consideração recursos e serviços naturais. (…) Como ignorar o custo da destruição dos recursos naturais não renováveis, do solo, das florestas, da poluição das águas?”.
Na época em que Celso Furtado assim descrevia o panorama, lembrava-se também a ironia de José Lutzemberger, que dizia não haver nada melhor para o crescimento do PIB que um terremoto, que não leva em conta a destruição e contabiliza toda a reconstrução. Depois disso, citava-se no artigo o economista J. K. Galbraith, para quem “nos anos à frente deve haver algum procedimento pelo qual a ONU fortalecida suspenda a soberania de países cujos governos estejam destruindo seus povos.” Mas ele também não acertou, até aqui.
E assim vai esse olhar retrospectivo, mergulhando em muitas questões sem resposta adequada até hoje. As questões planetárias da água, por exemplo (7/4/2006), que começavam quando se lembra que 10% da humanidade ainda não recebe água tratada de boa qualidade e 2,5 bilhões de pessoas não dispõem de saneamento básico. Que mudou?
Os números estão aí, com os avanços no setor equivalendo apenas aos aumentos da população. No Brasil também os problemas continuam praticamente nos mesmo níveis: 10% sem água, quase 40% sem ligação das suas casas com as redes de esgotos.
E as questões do aquífero, esse gigantesco depósito de águas subterrâneas (mais de 40 trilhões de metros cúbicos), mas que enfrenta questões delicadas, embora já abasteça, por exemplo, cerca de 400 cidades só no Estado de São Paulo (Ribeirão Preto é uma delas, que só recebe águas subterrâneas). No país das águas (12% das águas superficiais do planeta), temos problemas como esses.
Pedro Nava tem razão. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)

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