Tomson Catadores de resíduos, embaixadores contra a mudança climática
Tomson Chikowero carrega os sacos com garrafas de plástico que recolheu para reciclagem. Foto: Stanley Kwenda/IPS
Harare, Zimbábue, 7/8/2012 – Tomson Chikowero se envergonhava de seu trabalho. Não queria que ninguém soubesse o que fazia para ganhar a vida, por isto levantava muito cedo e saía de sua casa em Hatfield, um bairro residencial da capital do Zimbábue, escondendo-se na escuridão. Voltava após o pôr do Sol, quando ninguém podia vê-lo carregar os sacos com garrafas de plástico que recolhia no lixo durante o dia.
No começo, para Chikowero, homem de classe média que antes trabalhara na construção mas perdeu o emprego em 2010, recolher plásticos e caixas de papelão do lixo de outras pessoas para poder vender era uma tarefa penosa. Contudo, agora se converteu em um de muitos inesperados embaixadores em Harare contra a mudança climática.
O aquecimento global já causou impacto no país. o Departamento de Serviço Meteorológico confirmou que as chuvas diminuíram, enquanto as temperaturas aumentaram nos últimos anos. Segundo o estudo divulgado em março intitulado Fortalecendo a capacidade nacional para o programa de mudança climática no Zimbábue, este fenômeno porá em risco a segurança alimentar e o crescimento econômico.
Porém, o lixo tem um papel a desempenhar na mitigação da mudança climática nesta nação da África austral. Uma publicação de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, intitulado Dejetos e mudança climática, diz que a reciclagem de resíduos é mais benéfica na mitigação deste fenômeno do que outras técnicas.
Barnabas Mawire, diretor para o Zimbábue na organização ambientalista Environment Africa, afirmou que a reciclagem é importante para o país. “Ajuda muito na mitigação da mudança climática. Se as indústrias reciclarem garrafas plásticas e ferro-velho, não usarão a mesma quantidade de energia que empregariam se estivessem fabricando plástico ou metal a partir do zero. Se reciclam, usam menos matérias-primas e energia, e está demonstrado que isto reduz a pegada de carbono”, destacou à IPS.
Segundo a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, “a reciclagem de plástico usa cerca de 10% da energia consumida para fabricar meio quilo de plástico a partir de materiais virgens”. Embora não haja estimativas de quanto o Zimbábue economizaria em emissões de gases-estufa, a reciclagem realizada na Grã-Bretanha serve para economizar mais de 18 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao ano, equivalentes às emissões anuais de 177.879 veículos de passageiros.
Entretanto, muitos zimbabuenses não estão conscientes da mudança climática ou dos esforços para mitigá-la. Este país não tem nenhuma política para a mudança climática, embora esteja em processo de formular uma junto com a Aliança Clima e Desenvolvimento (CDKN). Mesmo assim, quando Chikowero começou a coletar lixo, tanto ele como outras centenas desses trabalhadores simplesmente o faziam para ganhar a vida em um país com 70% de desemprego. Um quilo de plástico pode ser vendido por entre US$ 7 e US$ 10.
Não há cifras oficiais sobre quantas pessoas vivem desse trabalho, é comum ver muitas recolhendo resíduos nos subúrbios de Harare. No mercado de Mbare Musika, na capital, compradores de plástico disseram à IPS que negociam com cerca de 200 coletores por dia. Este mercado é o maior da cidade e tem uma área organizada para os compradores de materiais recicláveis. Além disso, a Mukundi Plastics, uma empresa de embalagens e reciclagem localizada na área industrial de Harare, disse receber entregas de aproximadamente cem pessoas diariamente.
A reutilização é importante para o país. segundo a Autoridade de Manejo Ambiental, o Zimbábue está ficando sem locais para depositar o lixo. Além disso, o Journal of Sustainable Development in África 2011 indica que os domicílios do país geram 2,7 quilos de lixo sólido por dia, dos quais 47% é biodegradável. Frequentemente as autoridades recorrem à queima de lixo como maneira de eliminá-lo, mas esta prática é considerada nociva para o meio ambiente. O reaproveitamento de resíduos é uma boa maneira de combater isto.
“Quando começamos, fazíamos isto apenas por dinheiro, e me perguntava por que as pessoas tinham interesse em comprar garrafa de plástico e caixas de papelão, até que nos disseram o que acontecia com o plástico que compravam da gente”, contou Chikowero. É reciclado por empresas locais e internacionais, para a fabricação de garrafas de refrigerantes e caixas para cereais.
Chikowero tampouco se dera conta de que, ao incentivar as trabalhadoras domésticas que lhe entregavam o lixo a separarem o plástico do papel, estava ajudando o Zimbábue a mitigar a mudança climática. Atualmente, Chikowero recolhe plástico de 50 blocos de prédios residenciais no centro de Harare e nas áreas periféricas de Eastlea.
Por exemplo, as empregadas Idah Ndadziyira e Tatenda Munjona, que trabalham nos edifícios St. Tropez Flats de Eastlea, disseram à IPS que por ali passam regularmente outros três coletores de plástico. E também que eles, como Chikowero, as ensinaram sobre o aquecimento global e a importância da reciclagem. Chikowero conseguiu que uma em cada três casas do subúrbio de Eastlea recicle seus plásticos, e outras famílias começam a seguir seu exemplo. “Agora é um modo de vida”, afirmou.
Inclusive o coordenador do Comitê Nacional de Mudança Climática, Toddy Ngara, reconheceu os esforços dos coletores de resíduos como Chikowero. “Seu trabalho é louvável, nos ajudam muito a limpar nossas cidades e também agora ajudam a limpar o meio ambiente com sua contribuição para a indústria da reciclagem”, afirmou Ngara à IPS.
O comitê intergovernamental de adaptação à mudança climática prometeu consultá-los e usá-los como embaixadores no desenvolvimento de uma estratégia nacional sobre este fenômeno. O diretor de Meio Ambiente no Ministério do Meio Ambiente, Irvin Kunene, declarou, no começo de maio em Harare, que todos os atores, incluídos os coletores de resíduos, seriam consultados na hora de elaborar essa política. E isto fez com que Chikowero esteja orgulhoso de seu trabalho. “Agora já não sinto vergonha”, disse à IPS. Envolverde/IPS