quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Governo federal estuda cobrar 3% do faturamento de produtos oriundos da biodiversidade

JMA-Jornal Meio Ambiente | Autor Roberto Maltchik

O governo federal estuda a adoção de regras para arrecadar recursos gerados pela exploração comercial do patrimônio genético da biodiversidade, a exemplo do que já ocorre na mineração e na produção de petróleo e gás. Segundo minuta de decreto obtida pelo GLOBO, a proposta é taxar em 3% o faturamento bruto da exploração de produtos obtidos por meio de acesso ao patrimônio genético da biodiversidade – atividade regulada pela medida provisória (MP) 2.186, de 2001. A proposta é defendida por segmentos do governo e da comunidade científica, mas rechaçada pelos setores da iniciativa privada.

O texto está sendo analisado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, que regula o uso de moléculas de elementos da fauna e da flora para a criação de produtos como medicamentos, cosméticos e materiais. Caso haja consenso, o texto pode ser levado ao Palácio do Planalto após a reunião do colegiado, marcada para fevereiro.

Também haveria royalties de 10% do licenciamento

Também está prevista a cobrança de royalties de 10% do licenciamento do produto, processo ou uso de tecnologia obtido da mesma forma. Essa cobrança pode ser substituída por acesso e transferência de tecnologia, licenciamento de produtos ou capacitação de recursos humanos.

A diretora do Cgen e representante do Ministério do Meio Ambiente, Eliana Fontes, afirma que a proposta é um passo importante para que se regulamente a repartição de benefícios com a União, mecanismo negligenciado em razão da fragilidade do marco legal para o setor. Seria um paliativo enquanto o governo não termina o debate sobre o novo regulamento, cuja elaboração completa cinco anos de controvérsia. Esta se deve especialmente à disputa entre Meio Ambiente e Agricultura, que teme prejuízo ao processo de manipulação de grãos originários do exterior, como é o caso da soja.

Para Fiocruz, União tem de receber sua parcela

Segundo Eliana, enquanto o impasse não é resolvido, cabe ao Cgen buscar aperfeiçoar a regra que já existe. Ela não opina sobre o futuro da proposta em debate.

- Estamos aperfeiçoando todo o sistema do Cgen para dar maior velocidade à autorização de pesquisas, comerciais ou não. O passo importante foi a permissão para que o CNPq autorize o acesso para fins de bioprospecção (comercial) – explica.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apoia a proposta. De acordo com a pesquisadora Manuela da Silva, representante da direção da Fiocruz com assento no colegiado, o patrimônio genético é um bem nacional. Portanto, caberia à União a cobrança de repartição de benefícios.

- O marco legal atual contempla a repartição com a União, porém não há regulamentação. Há necessidade de que a União possa receber sua parcela. Afinal, estamos lidando com a biodiversidade brasileira – afirma a pesquisadora.

O governo já detectou um grande número de empresas que acessam o patrimônio genético da biodiversidade para a pesquisa comercial e que sequer procuram o Cgen para regulamentar suas atividades. Em contrapartida, as empresas que atuam dentro do sistema buscam a autorização do conselho e fazem contratos diretos com as comunidades nas quais ocorre o acesso ao patrimônio genético.

A principal delas é a Natura, que tem em estoque entre 60 e 70 solicitações de acesso ao patrimônio genético à espera de autorização. A diretora jurídica da empresa, Lucilene Prado, rejeita a proposta do Meio Ambiente. Ela argumenta que o patrimônio genético é um bem difuso, cuja repartição de benefícios deveria ocorrer apenas entre quem acessa e o proprietário da área de coleta sustentável.

- Essa medida provisória (em vigor) coloca uma natureza contratual. As partes devem ter a liberdade de contratar o valor dessa repartição de benefícios. A repartição de benefícios tem uma destinação específica: se presta a permitir a conservação da biodiversidade daquele bioma – defende a representante da Natura.

Recursos iriam para Meio Ambiente, Tecnologia e Saúde

O Ministério da Agricultura não comentou o assunto. A Casa Civil também silencia. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), a exemplo da Ciência e Tecnologia (MCT), defende que a questão esteja contemplada em um novo marco legal. Os ministérios não comentaram a minuta do decreto.

“Neste âmbito, de discussão do novo marco legal, que deverá simplificar os procedimentos para pesquisa e desenvolvimento tecnológico, está sendo previsto que uma porcentagem dos lucros resultantes do acesso serão destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), ao Fundo Naval e ao Fundo Nacional de Saúde”, informa a assessoria do MCT.

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