segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Do lixo, sai o novo gás para o Haiti


Em uma das mais movimentadas ruas de Porto Príncipe, um grupo de homens conversa sentado sobre uma enorme pilha de lixo. Perto dali, crianças brincam em meio a um entulho de sujeira e porcos, tão comuns ali quanto cachorros.

Alguns metros à frente, um homem urina no poste, sem se incomodar com o movimento intenso de pedestres e carros, enquanto outro lava as mãos com a água suja que escorre pela rua e atravessa a tenda de uma mulher que vende legumes e salgados.

Lixo e a falta de higiene são problemas crônicos em muitos bairros da capital do Haiti, onde milhares de pessoas convivem em meio a montanhas de entulho, sujeira, animais e doenças.

Banheiros são raridade nas precárias casas das mais pobres comunidades da capital haitiana, onde moradores se habituaram a fazer de tudo nas ruas, que chegam a ficar interrompidas com a enorme quantidade de lixo.

Um grupo brasileiro tenta, no entanto, mudar antigos costumes com a implantação de banheiros públicos que produzem gás metano através dos dejetos, canalizando-o para cozinhas comunitárias instaladas no centro dos bairros.

O projeto, implantado com sucesso no Brasil e em países asiáticos, como Índia e Vietnã, já construiu 80 banheiros públicos em diferentes bairros haitianos, onde houve queda na ocorrência de doenças como o cólera, cuja epidemia matou mais de 6 mil pessoas no país.

"Há hábitos culturais que precisam mudar para a higiene", disse Valmir Fachini, coordenador do programa biodigestor implantado pela ONG Viva Rio em bairros de Porto Príncipe.

Para usar os banheiros, haitianos pagam menos de 5 centavos de real. Moradores usam as cozinhas abastecidas pelo biogás para consumo próprio e, em alguns casos, a produção chega ao comércio, gerando riqueza.

O biocombustível gerado reduz o uso do carvão, matriz energética do Haiti, cuja extração é o fator principal do desmatamento do país.

O trabalho envolve também a conscientização sobre os riscos do lixo, especialmente numa cidade onde a coleta é praticamente inexistente e quase tudo é jogado diretamente nas ruas e córregos, tomados por garrafas de plástico e isopor.

"O problema é a questão cívica. As pessoas não sabem que não podem jogar lixo na rua. Nós não podemos viver em meio a tanto lixo", disse o líder comunitário Hyppolite Wilfrid, que atua na região de Cité Soleil, enquanto acompanhava uma ação de limpeza em uma praça do bairro.

Em alguns casos, segundo Fachini, o material usado nos banheiros foi furtado, como aconteceu com tambores para recolhimento de lixo, que foram levados por moradores.

O uso dos banheiros, no entanto, tornou-se popular e, nos bairros onde foram implantados, as cenas de lixo nas ruas se tornaram menos frequentes.

"Eles (haitianos) passaram a cobrar a manutenção do sistema", disse Fachini.

Segundo ele, a aprovação ao programa de biocombustível chega a 90 por cento nos bairros onde os banheiros foram implantados. Fachini reconhece, no entanto, ser um desafio transformar a ideia de uso da rua como uma grande latrina.

"Ainda é difícil", disse, próximo a uma mulher que, terminada a água, jogou a garrafa no meio da rua.

Por Hugo Bachega

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