terça-feira, 23 de agosto de 2011

Pesquisadora defende necessidade de contagem de espécies

Foto: Charles J. Katz, Jr. via The New York Times Ampliar
Gretchen Daily, é uma das pioneiras no esforço para proteger o meio ambiente
O sol desponta nesta região montanhosa remota, em que fileiras perfeitas de pés de café cobrem várias encostas. O sol dos trópicos impregna a natureza com cor, revelando o que restou da floresta tropical nativa espalhada entre os cafezais.
Porém, do outro lado desta paisagem rural bucólica, problemas podem surgir.
Um inseto africano, conhecido como broca-do-café, vem ameaçando as plantações da região. Os fazendeiros locais o chamam de 'la broca’.
Nas primeiras horas da manhã, Gretchen Daily, professora de biologia da Universidade de Stanford, já está no trabalho de estudar este ecossistema complexo. Envolvidos pelo agradável canto dos pássaros, Daily e sua equipe estão conduzindo experimentos que demonstram a conexão essencial entre vida selvagem e vegetação. Dados preliminares de novos estudos sugerem que o consumo de insetos como a broca-do-café por pássaros e morcegos nativos contribui de maneira significativa com a produção de café.
Desde 1991, Daily, 46 anos, realizou diversas viagens a esta região da Costa Rica para conduzir um de seus estudos mais abrangentes sobre o nível populacional dos trópicos, a fim de monitorar alterações ecológicas de longo prazo.
“Nós estamos avaliando, de forma muito específica, em termos biofísicos e monetários, em dólar, quanto vale conservar a floresta e a vida selvagem que nela habita”, afirma ela.
Nos últimos anos, o enfoque de sua pesquisa passou a ser global. O esforço mundial crescente, em que a cientista é uma das pioneiras, tem por objetivo proteger o meio ambiente por meio da quantificação do capital natural – os bens e serviços da natureza, fundamentais para vida humana – e incorporar esses benefícios aos cálculos de empresas e governos. Seu trabalho obteve atenção internacional e lhe conferiu alguns dos mais cobiçados prêmios ambientais do mundo.
Em parte, o interesse da cientista pelo capital natural surgiu de uma pesquisa realizada na Costa Rica. Ela ficou fascinada com a inovadora iniciativa do governo conhecida como 'pagamento por serviços ambientais’. O programa, iniciado nos anos 1990, consistia em pagar aos proprietários de terra para que mantivessem a mata nativa, sem cortá-la. A iniciativa contribuiu para uma redução significativa das taxas de desmatamento do país.

O programa costarriquenho serviu de inspiração para a cientista fundar, em colaboração com outras pessoas, o programa Natural Capital Project, em 2006.
O NatCap, como é conhecido nos Estados Unidos, é uma empresa de capital de risco liderada pela Universidade de Stanford, Universidade de Minnesota e duas das maiores organizações de conservação, a Nature Conservancy e a World Wildlife Fund. O objetivo do programa é modificar os métodos tradicionais de conservação ao incluir o valor dos 'serviços ambientais’ para empresas, comunidade e nas decisões governamentais. Esses benefícios da natureza – como proteção contra enchentes, polinização de culturas e armazenamento de carbono – não fazem parte da tradicional equação econômica.
“Atualmente, não é possível estabelecer o preço da maioria dos serviços ambientais que apreciamos, como ar e água limpos”, afirmou Stephen Polasky, professor de economia ecológica e ambiental da Universidade de Minnesota.
Para Stephen, como as avaliações econômicas geralmente ignoram a natureza, o resultado pode ser a destruição dos ecossistemas sobre os quais a economia se apoia.
“Nosso sistema econômico valoriza a terra por duas razões principais”, afirmou Adam Davis, parceiro da Ecosystem Investment Partners, empresa que gerencia as propriedades de alta prioridade para a conservação. “Uma delas é a edificação e a outra o que se pode retirar da terra”.
“Neste momento, a floresta vale dinheiro se suas árvores forem cortadas”, afirmou Davis. “Nós medimos o valor em metro quadrado de tábua ou em toneladas de pasta de papel vendidas a uma fábrica de papel”. Segundo Davis, está faltando um impulso econômico de compensação para medir o valor de deixar intactos uma floresta ou outro ecossistema.
Desde cedo, Daily reconheceu que novas ferramentas seriam necessárias para quantificar os serviços da natureza. “Nós iniciamos desenvolvendo o programa chamado InVEST (sigla em inglês para avaliação integrada de serviços e compromissos com o ecossistema) com o intuito de descrever e avaliar os bens e serviços da natureza que são essenciais para os seres humanos”, afirmou.
O software – disponível para download gratuito – permite comparar vários cenários ecológicos. Qual é o custo real de drenar uma área de terra úmida ou retirar manguezais da linha costeira? A InVEST dá forma às compensações e ajuda os responsáveis pelas decisões a entender melhor as implicações de suas escolhas.
“O nosso sonho não é tentar capturar todo o valor dos serviços da natureza, porque isso é muito difícil”, afirma Daily. “Nosso objetivo é começar realizando progressos no processo de tomada de decisões, ao incluir ao menos alguns valores da natureza na equação econômica”.
O programa Natural Capital Project agora também opera na América Latina, África, Ásia, na região do Pacífico e na América do norte. Na China, a NatCap está trabalhando com o governo em um programa ambicioso com o intuito de proteger o capital natural. Após o desmatamento ter causado inundações em uma vasta área em 1998, a governo concedeu US$ 100 milhões para transformar grandes áreas de terra fértil em florestas e campos. O governo está ampliando este bom resultado ajudando a desenvolver e testar o software do InVEST para implementar uma nova rede de áreas preservadas, projetada para atingir 25 por cento do país. As reservas contribuirão com o controle de enchentes, a irrigação, o abastecimento de água, a produção de energia hidroelétrica, além da estabilização da biodiversidade e do clima.
Em uma área do programa NatCap no Hawaí, a Escola Kamehameha, a maior proprietária privada de terras do estado, usou o InVEST para avaliar o uso futuro da terra em uma área de 10.520 hectares no litoral norte da ilha de Oahu. No passado, a propriedade era usada para aquicultura, produção agrícola e habitação. Após examinar as alternativas exibidas pelo InVEST, a Escola Kamehameha selecionou uma combinação variada de floresta e agricultura com o objetivo de melhorar a qualidade da água, capturar carbono e produzir receita.
Há cerca de sete meses, a Google.org, braço filantrópico da Google.com, revelou uma nova e eficiente ferramenta que permite, em escala global, realizar monitoramentos e medições de alterações ecológicas na terra.
Chamada de Google Earth Engine, possui uma coleção enorme de imagens de satélites da superfície terrestre. Agora, o programa NatCap está mudando o software do InVEST para a plataforma do Google Earth Engine.
“Neste momento, quando realizamos um projeto do NatCap ou usamos o InVEST, nós enviamos às pessoas para um país ou estado, e elas passam semanas acumulando dados e os colocando no formato apropriado”, afirmou Peter Kareiva, vice-presidente e cientista-chefe da Nature Conservancy. Segundo o especialista, o Google Earth Engine irá acelerar muito o processo de análise.
Segundo Luis Solorzano, diretor de programas de ciência ambiental da Fundação Gordon e Betty Moore, que trabalhou no Google Earth Engine, a nova ferramenta pode descrever tendências, permitindo aos cientistas prever características como fertilidade do solo, erosão e desmatamento. “É o tipo de ferramenta que os responsáveis por políticas precisam para tomar decisões bem informadas”, afirmou Solorzano.
Como o conceito de capital natural é antropocêntrico, as pessoas às vezes perguntam para Daily se, ao quantificar os serviços ambientais, corre-se o risco de ignorar o valor intrínseco da natureza ou de deixar passar despercebidos aspectos do mundo natural difíceis de serem avaliados, como benefícios estéticos e espirituais.
Ela reconhece que certos bens da natureza representam um desafio para a quantificação. “A beleza da abordagem do capital natural está no fato de ela deixar aspectos vastos e imensuráveis da natureza em seu próprio domínio, à medida que se foca, de forma bastante prática, nos benefícios ao meio ambiente que nós podemos e devemos incorporar nas nossas decisões”.
O estado precário do meio ambiente global preocupa Daily desde a adolescência, quando ela morou com a família na antiga Alemanha Ocidental.
Daily presenciou o poder destrutivo da chuva ácida nas florestas do país.
“Eu me dei conta de que queria ser cientista”, afirmou. Essa fascinação inicial pela natureza levou ao entusiasmo pela Costa Rica e isso, por sua vez, preparou o caminho para a liderança internacional na área do capital natural.
O trabalho de Daily assumiu uma urgência particular com a publicação da Avaliação dos Ecossistemas do Milênio, desenvolvida com o apoio da ONU. O relatório descobriu que mudanças recentes e rápidas, causadas pelos seres humanos, produziram uma “perda substancial e amplamente irreversível” na diversidade da vida na Terra e que dois terços dos ecossistemas do mundo estão definhando.
“A perda de biodiversidade da Terra é permanente”, afirma Daily. “Temos sido testemunhas dela. Nós precisamos transmitir, com evidências convincentes, o valor da natureza e o custo de perdê-la. É impressionante pensar que, até que o próximo asteroide atinja o planeta, é a humanidade que está decidindo o rumo futuro de toda a vida conhecida”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário