quinta-feira, 18 de agosto de 2011

MMA promove acesso à água para enfrentar mudanças do clima

Cristina Ávila 
O primeiro banho de um bebê é um ritual sagrado. Especialmente para as 108 famílias que moram na comunidade de Calumbi, no município de Tauá, no Ceará. Lá, ter o corpo lavado com água cristalina é privilégio exclusivo das crianças recém-chegadas ao mundo. Os poços da pequena localidade do semiárido são salobros, e a água pura é usada somente para preparar alimentos e escovar os dentes.
Calumbi é um dos 150 povoados atendidos pelo Programa Água Doce, do Ministério do Meio Ambiente, que oferece cidadania e acesso à água potável - por processo de dessalinização - às populações rurais mais pobres das regiões mais secas do País. Incluída no Plano Brasil Sem Miséria, do Governo Federal, a experiência do MMA será ampliada para 1.200 comunidades nos próximos oito anos.
Os novos beneficiados do Programa Água Doce estão sendo selecionados de acordo com um Índice de Condição de Acesso à Água no Semiárido (ICAA), que aponta as regiões onde estão as famílias que passam por situações mais críticas. Esse índice resulta de cruzamento de informações sobre pobreza e acesso aos recursos hídricos.
Para atendimento às atuais 150 comunidades do semiárido, o MMA tem a parceria de aproximadamente 190 instituições federais, estaduais, municipais e da sociedade civil. O semiárido está localizado em dez estados - Alagoas, Ceará, Piauí, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
O Programa Água Doce visa a uma política pública permanente de acesso à água de boa qualidade para o consumo humano, com a dessalinização de fontes salobras, de modo ambiental e socialmente sustentável. A dessalinização é importante, pois evita que as pessoas consumam sal em excesso, o que causa problemas como pressão alta e doenças de rins.
O sistema é composto por um poço tubular profundo, bomba de sucção, reservatório para a água bruta captada, um abrigo de alvenaria que protege o equipamento de dessalinização, um chafariz por onde sai a água potável e um reservatório para água limpa. A água bruta é levada para tanques de contenção onde o sal fica depositado, evitando que contamine o meio ambiente.
Clima mais quente - "O semiárido sofre com a falta de chuva. E o aquecimento global tende a piorar ainda mais a situação. Vários cenários apontam para aumento de temperatura e redução das chuvas nessa região. A solução de dessalinização coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente é reconhecidamente uma alternativa pioneira para adaptação a essas alterações", afirma o secretário de Mudanças Climáticas, do MMA, Eduardo Assad.
O secretário comenta que a inclusão no Plano Brasil sem Miséria é uma comprovação da eficácia do programa. O Água Doce merece destaque desde a sua criação, em 2005. Em 2009, foi citado pelo Tribunal de Contas da União na publicação "Segurança Hídrica no Semiárido". O livro faz parte da série de auditorias de natureza operacional sobre políticas públicas e mudanças climáticas.
"O TCU recomendou que o programa do Ministério do Meio Ambiente fosse ampliado como ação de governo para a garantia à população do semiárido aos meios de enfrentar as consequências que já são sentidas com as mudanças do clima", enfatizou Eduardo Assad.
Além da melhoria de condições de saúde e da adaptação às mudanças climáticas, "outras ações estão em andamento como buscar técnicas que permitam aumento de renda do agricultor e incentivo à revegetação da Caatinga, que tem seus reflexos no incremento da produção de água", observa ainda o secretário.
Um exemplo é a alternativa de produção de peixes nos tanques da água que passou pelo processo de dessalinização e que não serve para consumo humano. Alguns povoados já conseguem 2,4 toneladas de carne por ano. Associada a esses reservatórios, e irrigada com a mesma água em que se criam os peixes, é cultivada a espécie Atriplex, conhecida como erva-sal, e que tem esse nome justamente por suportar a presença de sal no solo. A produção chega a 12 toneladas por hectare e serve para a alimentação de caprinos e ovinos.
Mobilização popular - "Para que o sistema funcione, a gestão é feita pela própria comunidade", explica o diretor de Revitalização de Bacias, do MMA, Renato Ferreira, coordenador nacional do Programa Água Doce. A população recebe orientações e é treinada.
O programa é desenvolvido por meio do acordo feito entre moradores. Em Calumbi, eles bateram o martelo no último mês de junho. Elegeram um operador para fazer serviços como ligar equipamento, controlar a distribuição da água, trocar filtros, lavar tanques.
Os calumbienses decidiram sobre a composição de seu grupo gestor, horários permitidos para buscar água nos chafarizes, a quantidade a ser distribuída, inclusive para a escola, e a sua destinação. "Beber, cozinhar, escovar os dentes e dar banho em recém-nascidos."
A prefeitura de Tauá será responsável pelo pagamento da energia elétrica gasta pelo equipamento dessalinizador e também por pagar o operador. O governo estadual tem o dever de fazer as instalações necessárias e prestar assistência técnica.
No acordo, está explícita também a obrigação do MMA de treinar operadores, orientar a comunidade na construção dos acordos de gestão e contribuir para as boas práticas de manejo dos recursos hídricos locais. Os moradores devem colaborar com R$ 0,25 a cada dia de acesso à água, e esse dinheiro serve para a solução de problemas imprevistos.
Nova fase - Essa experiência piloto agora será ampliada, com a inclusão do programa do MMA no plano Brasil sem Miséria. Estão previstos no orçamento da União o financiamento de R$ 160 milhões para serem aplicados até 2019, no atendimento de aproximadamente um quinto dos moradores das áreas rurais do semiárido. Um total de 2,5 milhões de pessoas.
Nos próximos dias, o MMA vai realizar encontros com representantes dos estados, onde serão definidas estratégias para a execução dessa segunda fase do programa. A troca de informações com gestores estaduais e municipais também é importante para a escolha das comunidades a serem atendidas, pois nesse contatos são complementadas as informações obtidas pelo levantamento do ICAA.
A estimativa é que sejam atendidas todas as comunidades do semiárido em que seja necessária a instalação do sistema de dessalinização, que é complementado com cisternas que servem de reservatório da água da chuva. Há locais, entretanto, em que outras alternativas são mais convenientes - como é o caso de áreas em que a águas subterrâneas são potáveis.
O analista ambiental Henrique Veiga, do MMA, explica que na região as chuvas são concentradas em quatro meses do ano, "com estiagens muito severas, de duração de oito meses". Ele comenta que no semiárido cerca de 40 a 45% das populações vivem em áreas rurais.
Novos beneficiados - Para acertar na escolha dos primeiros novos povoados a serem atendidos, o MMA instituiu o ICAA, que resulta do cruzamento de informações geográficas e socioeconômicas. São dados referentes ao Índice de Desenvolvimento Humano, mortalidade infantil, pluviometria e intensidade de pobreza.
"Queremos atender primeiro a quem mais precisa", explica o diretor de Revitalização de Bacias, do MMA, Renato Ferreira, coordenador nacional do Programa Água Doce. Com a parceria de estados e municípios, são levantadas necessidades específicas de cada localidade, como, por exemplo, a qualidade da água do subsolo.
Renato Ferreira comenta que, além de garantir o acesso à água, a iniciativa é uma porta aberta para outras políticas públicas do Governo Federal. A necessidade das comunidades em estarem organizadas para participar do Água Doce facilita a acesso a linhas de crédito do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf), por exemplo.
Organizadas, as comunidades deslancham. A analista ambiental do MMA, Solange Santos, conta que a partir do trabalho desenvolvido pelo conjunto de instituições parceiras do Programa Água Doce, moradores do povoado de Caatinga Grande, município de São José do Siridó (RN), conseguiram um laboratório de informática. Eles são assentados da Reforma Agrária com produção baseada especialmente na agropecuária, e acabam de conquistar também uma casa de resfriamento de leite.

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