terça-feira, 30 de agosto de 2011

Casas de luxo são construídas em áreas de preservação no Amazonas


Local: Manaus - AM
Fonte: A Crítica
Link: http://www.acritica.com.br/



Moradias de alto padrão que pertencem a empresários da ‘elite’ amazonense foram construídas em APP, o que a legislação brasileira proíbe, segundo o MPE.

Monica Prestes

Mansões de milionários do Amazonas construídas irregularmente dentro de Áreas de Preservação Permanente (APPs), ameaçando a flora, fauna e os rios da região do Tarumã, na Zona Oeste, correm o risco de ser demolidas em cumprimento a decisões judiciais da Vara Especializada em Meio Ambiente e Questões Agrárias (Vemaqa).
Na Vemaqa tramitam mais de 400 processos sobre construções irregulares em APP - que vão de casas de ribeirinhos às mansões de alto padrão.  Parte delas nas margens do igarapé do Tarumã e também do rio Negro, até as proximidades da praia da Lua, todas em áreas de preservação ambiental.  As informações são do juiz da Vemaqa, Adalberto Carim.  “São construções imponentes erguidas no limite entre os rios e o verde das matas, em alguns casos sem licença ambiental”, relata o juiz.
Desses 400 imóveis, boa parte já teve expedida a ordem judicial de demolição, mas ainda continua intacta, relata o magistrado.  Alguns processos já se arrastam há mais de dez anos.  “Há diversos procedimentos e determinações no sentido de demolir construções erguidas nessas áreas.  Algumas ajuizadas pelo próprio município ou Ministério Público.  São situações que envolvem centenas de réus, de classes baixa a alta, e empresas.  Mas a maioria é de classe média”, detalhou Carim.
Apesar das ordens judiciais para a demolição dessas construções, a maioria ainda não foi cumprida por conta do excesso recursal, manobra prevista pela legislação brasileira e muito utilizada pelos proprietários dos imóveis para retardar a demolição, explica Carim.  “O problema é que, infelizmente, o excesso recursal permite que algumas ações se prolonguem por anos.  Por mais que determinemos a demolição, sempre há a possibilidade de postergar”, lamentou.
É o caso de um processo que tramita na Vemaqa há mais de um ano e tem como réu um grande empresário do Estado.  Ele é apontado, em um dos processos que constam no site do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), como o proprietário de uma mansão erguida em local proibido, dentro de uma APP, no igarapé Tarumã.
Irregularidade semelhante foi encontrada pela reportagem de A CRÍTICA na praia da Lua, às margens do rio Negro.  Três casas de alto padrão foram construídas ilegalmente dentro do perímetro da APP que, para aquela região, por estar na zona rural, é de 500 metros, explica o promotor da 18ª Promotoria Especializada em Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MPE), Francisco Arguélios.  Uma delas ainda está em obras e os tijolos foram deixados sobre a areia, nas margens do igarapé.  “A legislação proíbe qualquer intervenção na APP, onde só pode ser feita obra de baixo impacto e sustentável, de interesse social ou utilidade pública, como casas de ribeirinhos ou populações tradicionais.  Em nenhum desses casos se encaixam essas mansões.  Elas estão totalmente irregulares”, alegou o promotor, após analisar as fotos apresentadas pela reportagem.

Ademir Stroski - presidente do Ipaam
“A fiscalização das construções em APPs pode ser feita pelo município e pelo Estado e, sem licença, elas se tornam passíveis de embargo, multa e até demolição.  Mas um acordo feito com a Semmas restringe a competência à prefeitura.  A legislação prevê que, em rios de até 10m de largura, a APP se estenda por 30m além da margem.  Toda intervenção nesse perímetro é proibida, até muros de contenção e aterros e, toda construção, com exceção das de utilidade pública, é proibida.  Mas existe uma questão social e cultural: a dependência que as comunidades ribeirinhas têm para com os rios.  Esses, sim, merecem tratamento diferenciado.”

Prefeitura poderia demolir
A prefeitura não precisa esperar a conclusão de um processo judicial para demolir imóveis construídos irregularmente, dentro de uma APP.  É o que explica o juiz da Vemaqa, Adalberto Carim.  Segundo ele, as ações civis públicas são imprescritíveis e, portanto, devem ter um desfecho, mesmo após inúmeros recursos e décadas de tramitação.  “Enquanto esse dia não chega, o problema não precisa perdurar”, explica o magistrado.  “Independente do MPE e do Judiciário, existe o poder de polícia, preceito básico do direito administrativo, definido pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional.  Isso significa que a administração pública poderia retirar essas construções mesmo sem autorização judicial, se quisesse.  O que não parece ser o caso”, disse.

Esquema de favorecimento de licenças
Parte das construções que não respeitaram os limites da APP chamam a atenção do juiz Adalberto Carim por terem sido licenciadas por órgãos ambientais do Estado ou do município, o que levanta a suspeita de um esquema de favorecimento.  “Quando recebemos um processo desse, ponderamos como a parte conseguiu licença para construir em uma APP.  Temos não apenas que demolir, mas descobrir como esse ‘novelo de lã’ se desdobra.  Dá para deduzir que existe alguma coisa errada no caminho, alguma coisa errada dentro dos órgãos ambientais.” Para Carim, os casos suspeitos de fraude devem ser investigados, também, pelas próprias secretarias, por meio de auditorias internas.  E os servidores envolvidos em um suposto esquema de favorecimento, punidos.  “A própria Lei de Crimes Ambientais prevê punições para os servidores que contribuam com essas fraudes.

Construir e preservar é possível
O princípio de preservação do curso e qualidade da água, previsto na legislação ambiental que estabelece a APPs, pode ser respeitado em projetos de construções, na opinião de um arquiteto e urbanista de Manaus que preferiu não ter o nome revelado.  De acordo com o especialista, é possível fazer a combinação de empreendimentos com a preservação da água, com projetos de construções que façam o devido tratamento de esgoto.
No caso do Tarumã, o fato de as construções ficarem próximas da água, não significa que estão comprometendo a qualidade da água, segundo o arquiteto.  “Há inúmeras construções bem longe do leito de rios, que acabam jogando o material de esgoto nas águas.  Muitas casas da área do Tarumã são de pessoas com poder aquisitivo alto, que têm esclarecimento sobre a necessidade desses cuidados”, afirmou.  Para o arquiteto, o ideal seria que as construções fossem fiscalizadas, para saber se estão comprometendo a qualidade da água.

Nenhum comentário:

Postar um comentário